domingo, 1 de junho de 2014

Este blog foi criado com o objetivo de mostrar os desafios de ensinar língua portuguesa a alunos surdos.


sexta-feira, 30 de maio de 2014

24/04/12
Entrevista | Intérprete Jessie Rezende
"O aluno é simplesmente 'jogado' numa escola, sem o apoio de professores, ou família"
Arquivo pessoal
"Muita gente acha que não precisa aprender
Libras", diz Jessie
Marcos Nunes Carreiro
Nesta terça-feira, 24, são comemorados dez anos de sanção da lei n° 10.436, que dispõe sobre a Libras (Língua Brasileira de Sinais). E nessa data, “tem gente do Brasil inteiro em Brasília compartilhando a alegria de ter dez anos que a Libras é reconhecida no nosso país”, como afirma Jéssie Rezende Araújo ao Jornal Opção. Ela é intérprete da Língua de Sinais e trabalha com crianças entre 9 e 12 anos na Escola Municipal Deraldo Lisboa dos Santos, no Jardim Rosas do Sul, em Aparecida de Goiânia. Jéssie é aluna do 7° período do curso de licenciatura em Letras-Libras, pela UFG (Universidade Federal de Goiás), e fala a respeito da visão que o Surdo tem da sociedade, sobre as condições para os intérpretes que tentam integrar essas pessoas à comunidade, assim como criar nelas o senso de cultura e identidade Surdas. Acompanhe a entrevista:
Qual a forma correta de se chamar: “surdo”, ou “deficiente auditivo”?
O termo “deficiente auditivo” é utilizado mais no contexto médico. Nós usamos Surdo, com letra maiúscula, para aqueles que possuem e compartilham a cultura e identidade Surda, que é o uso da Libras, a militância pela causa, entre outros ideais. “Deficiente auditivo” deixou de ser usado porque se viu que ser Surdo não é “carregar” uma deficiência. Além da diferença linguística, o Surdo tem uma identidade própria, pois ele luta pelo uso da Libras e seu reconhecimento na sociedade. Hoje, por exemplo, tem gente do Brasil inteiro em Brasília cobrando escola bilíngue para o Surdo e compartilhando a alegria de ter dez anos que a libras é reconhecida no nosso país.

Defina cultura e identidade Surda.
A cultura Surda é o conjunto de costumes e hábitos que os Surdos têm em comum. E como a história do Surdo é de muito sofrimento e luta, esse é um ponto muito forte na comunidade Surda. Estamos sempre lutando, porque foi assim que chegamos até aqui. E a identidade é composta pelo compartilhar dessa cultura, o Surdo que tem essa identidade, luta por ideais, como o respeito à sua Língua e cultura.
Existem diferenças entre Libras e Português?
O português é uma língua oral-auditiva e a Libras é uma língua visuo-espacial. O sistema SVO (Sujeito-Verbo-Objeto) prevalece. Porém, o Surdo tem certa dificuldade com conjugações verbais e o uso de preposições e conjunções, pois a Libras tem uma estrutura diferente. Por exemplo, nós aprendemos a falar ouvindo e aprendemos a escrever falando. Então, o Surdo não acompanha o processo de aprendizagem da Língua Portuguesa, pois para os ouvintes, as palavras representam sons (que é o intuito da escrita alfabética), e para os Surdos, cada palavra tem um significado, o que passa a parecer uma escrita ideográfica.
As dificuldades são muitas no que se trata na aprendizagem da língua portuguesa pelo Surdo?
Existem muitas complicações, pois como o Surdo tem dificuldade de aprender a estrutura do português, muita gente acha que não precisa aprender Libras porque ‘é só conversar escrevendo’, como se todos os Surdos dominassem o português. E existem muitos Surdos que estão inseridos nas escolas e não têm um intérprete de Libras. A demanda é grande e, infelizmente, não tem a quantidade necessária de profissionais qualificados. Mas apesar de o papel do intérprete ser muito importante, a luta da comunidade Surda atualmente (inclusive hoje em Brasília), é por escolas bilíngues, onde tenhamos uma sala de aula do ensino regular, com alunos ouvintes e Surdos, e que o professor saiba Libras e dê as aulas em Libras.

O apoio dado ao Surdo nas escolas é o ideal?
Esse apoio ainda é um pouco condicionado. Nas escolas implantou-se a inclusão sem capacitar os funcionários das escolas. Por exemplo, aqui na escola em que eu trabalho, as professoras e funcionários administrativos não sabem nem Libras, nem o que ela é, nem nada sobre a cultura e a identidade Surda. Na UFG os Surdos já têm a prova de vestibular em Libras e intérprete na sala aula, mas só no curso de Letras-Libras. Assim, se o Surdo quer fazer outro curso, ele não tem um intérprete.

E a condição do intérprete?
Na verdade, o intérprete é meio largado. Eu, por exemplo, não sou pedagoga e, teoricamente, apenas traduzo as aulas. Mas na verdade, eu preciso preparar aulas e atividades, pois meu aluno não acompanha as atividades propostas pela professora. Assim, o aluno é simplesmente "jogado" numa escola, sem o apoio dos professores, e, principalmente, da família. As dificuldades familiares afetam em muito o aprendizado do aluno Surdo. Neste aspecto, o papel do intérprete é integrá-lo aos demais alunos, ao mesmo tempo em que deve fazer com que ele tenha a capacidade de auto-integração. E tentamos fazer essa integração, ensinando Libras para os demais alunos, por exemplo, e trabalhando individualmente com o aluno Surdo sua capacidade dele de interagir. Na faculdade nós temos disciplinas de Políticas da Educação e Psicologia da Educação e essa realidade é bastante discutida, pois é com o que nos deparamos no dia-a-dia.

Os professores são receptivos com os intérpretes? Ajudam no andamento da aula com os alunos Surdos?
Nem todos os professores são receptivos. A professora regente da minha sala é bastante receptiva e interessada, mas alguns professores não gostam muito da ideia de ter "outra pessoa" na sala de aula, muito menos em ter um aluno "especial".


























































































































































































Poesia

SILÊNCIO
Alguém diz
que euVivo no silêncio.
É verdade.
Silêncio de corpo, mas não
de espírito.
Este, ouve e canta
as alegrias que Deus lhe deu,
de Viver!!!
Que importa ser-se surdo
num mundo cheio de ruídos
sem ligação alguma com o meu
Ser.
Bendito sejas, Senhor, que me destes
os silêncios deste mundo.
Ao existires, de facto, para mim,
fazes com que o meu Eu viva,
porque Tu, Senhor, não abates
antes exaltasa
beleza dos sons
que o meu coração ouve...
(José Pedro Amaral - surdocego - Lisboa/Portugal)



Depois de libras, a língua portuguesa



Esse aprendizado ajuda na comunicação dos surdos com a sociedade


Por Eduardo Lucizano Fotos Shutterstock



 
Quem procura uma profissão ou busca o sucesso na carreira, sabe que é essencial o aprendizado de uma segunda língua. Para as pessoas com deficiência auditiva essa atitude significa a busca pela melhora do convívio social. "Aprender é fundamental, pois apesar de ter a Libras como primeira língua, o surdo necessita aprender o português na modalidade escrita como segunda língua, para se comunicar e ter acesso ao conhecimento e à cultura local", explica Mônica Gargalaka, pedagoga, especialista em educação de surdos e uma das responsáveis pelos projetos do segmento na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
O contato com a língua portuguesa, na maioria das vezes, é tardio, porque normalmente os pais são ouvintes. A criança surda tem inicialmente o aprendizado da Língua Brasileira de Sinais (Libras), totalmente diferente da língua utilizada pela sociedade ouvinte, o que atrapalha a comunicação em geral. Assim, é necessário criar meios para ensinar o português às pessoas com deficiência auditiva, pois trata-se da língua oficial, embora seja uma segunda língua para eles, o que exige um processo formal de aprendizagem. Mas primeiro, é preciso estudar um plano de ensino e qualificar os professores, para que estes sejam capazes de atender os alunos.
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo criou o Programa Inclui, que tem como objetivo reestruturar as escolas especiais da rede municipal e fazê-las escolas bilíngues. Lá, as crianças aprenderiam Libras e língua portuguesa. "A Secretaria tem oferecido a todos os envolvidos na educação destes alunos, cursos de formação e aprofundamento em Libras e ensino de português como segunda língua. Este é um dos principais objetivos: a formação dos nossos professores", fala Mônica.
Para Nelma Carvalho, pedagoga especializada em Educação Especial e professora bilíngue Libras/ Português, a maior dificuldade no ensino é a repetição de palavras que não têm significado para os surdos. "A grande reclamação deles é ficarem repetindo palavras que não têm sentido para eles. Penso que quando se entendem os conceitos das palavras e expressões, o aprendizado se torna mais eficaz", ressalta a especialista.
Outro empecilho encontrado é a maneira como se aplica o ensino. "Até pouco tempo, ensinávamos enfatizando o código da língua, com o objetivo de os alunos dominarem a morfologia e a sintaxe da língua. Percebemos que as dificuldades de leitura e escrita da língua portuguesa são consequências da falta de métodos e procedimentos de ensino adequados. Nos últimos anos, a concepção de língua começou a mudar. Em vez de código, a língua tem sido concebida como atividade discursiva.
E a metodologia se adapta a esta nova concepção", explica Mônica. Quando o aluno já possui conhecimento da Libras, a tarefa de aprender o português é mais simples, afinal, já existe um canal de comunicação aberto.
Há também o questionamento sobre a influência de uma linguagem em outra e ambas as especialistas concordam que não há dificuldades, nem confusão. "Surdos são pessoas inteligentes e assim como qualquer um que está dia nte de alguém que fala outro idioma, se esforçam para se comunicarem de forma clara. Já em sua comunidade, usam libras", comenta Nelma.
A aprendizagem
O método normalmente utilizado explora o mundo visual dos surdos e todo o procedimento gira em torno deste que é o principal meio de comunicação. Em geral, o ensino é em grupo, visto que se inclui aí o fator social e a interação. "Toda a metodologia é bem visual, pois o canal mais importante para o surdo é a visão. É na leitura que as crianças farão suas hipóteses sobre o funcionamento da língua portuguesa. As hipóteses elaboradas visualmente serão testadas à medida que as crianças surdas tenham acesso às atividades que envolvam a escrita", conta Mônica.
Caso o aluno tenha o conhecimento em Libras, a situação é ainda mais favorável. O trabalho é lento, porém mais fácil, já que durante as aulas, sempre existe o paralelo com a língua de sinais. O professor trabalha com temas e por meio dessa estratégia, formula textos com histórias dos alunos, ensinando conceitos, leitura, escrita, entre outros. É claro que o método seria mais eficaz se existisse um material apropriado e voltado exclusivamente para os surdos, ou, quem sabe, até com equipamentos especificamente visuais.
Atualmente, os alunos surdos usam o mesmo material dos alunos do ensino regular, como cadernos de apoio adaptados. De acordo com a Secretaria de Educação, um material voltado especificamente para as pessoas com deficiência auditiva está sendo produzido e deve ser lançado este ano. Enquanto isso, os professores trabalham com o que têm nas mãos e comemoram evoluções. Ainda bem!
A prova de que aprender português é essencial vem das palavras de Renan Santos Souza, de 16 anos: "Hoje tenho mais segurança ao conversar com ouvintes que não sabem Libras. Comemoro minha autonomia ao ler textos e mandar mensagens via internet, celular e cartas", fala.
Ele comenta que ainda aprende português atualmente e que o mais difícil é entender palavras de significado mais complexo. "Tenho ainda dificuldades de gramática, porque a estrutura gramatical de Libras é muito diferente, mas sigo exercitando e sou perseverante", finaliza.
"O papel da Libras na instrução do português escrito é primordial, porque possibilita o conhecimento de mundo e de língua, com base nos quais os alunos surdos poderão atribuir sentido ao que leem e escrevem", explica Mônica Gargalaka, pedagoga e especialista em educação de surdos

Serviço
Secretaria Municipal de Educação de São Paulo
www.portalsme.prefeitura.sp.gov.br





Maria Cristina da Cunha Pereira fala sobre o ensino de Língua Portuguesa para surdo



Qual é a relação entre a língua de sinas e a Língua Portuguesa?









Maria Cristina As línguas de sinais se distinguem das línguas orais porque se utilizam do canal visual-espacial e não oral-auditivo. Porém, ambas possuem um léxico, isto é, um conjunto de símbolos convencionais, e uma gramática com um conjunto de regras que regula o uso desses símbolos. Primeiramente se dizia que a língua de sinais facilitava a aquisição da Língua Portuguesa. E eu perguntava: facilita como? Que ela tem um papel fundamental nessa aprendizagem não há dúvida. Mas como? Com o tempo e depois de muita pesquisa, compreendemos que é preciso mostrar aos alunos que aquilo que é expresso na língua de sinais também pode ser representado na Língua Portuguesa escrita. O professor precisa escrever o que as crianças estão comunicando por meio de sinais. Outra prática fundamental é a leitura feita pelo professor dos textos em língua de sinais. É essa leitura que possibilita a atribuição de sentido àquilo que está escrito no papel em português. Portanto, é necessário que a Língua Portuguesa seja o tempo todo apresentada e interpretada em Libras. Um trabalho de tradução mesmo.

Quais são as condições básicas para se alfabetizar uma pessoa surda?
Maria Cristina O ponto de partida é a criança surda saber a língua de sinais. O ideal é que o professor também saiba a língua de sinais para que ele possa ser o mediador entre as duas línguas. No entanto, considerando que as crianças surdas podem estar em salas regulares com crianças ouvintes, serão necessários dois professores: o professor da sala (regente) e um professor especialista em surdez, que possa fazer o papel de mediador entre a língua de sinais e a Língua Portuguesa. Ter apenas o professor da sala trabalhando com um intérprete que não entenda de alfabetização não é suficiente no início da escolaridade.

Nesse caso, qual é o trabalho do intérprete na sala de aula?

Maria Cristina O intérprete só interpreta. É fundamental ele ter clareza do seu papel. Ele não pode ser confundido com o professor porque há o risco do aluno surdo não saber a quem recorrer. O professor da sala não pode se sentir isento da responsabilidade de ensinar os conteúdos ao aluno surdo. E o intérprete precisa garantir ao aluno surdo o acesso ao conteúdo que será trabalhado em Língua Portuguesa. Toda comunicação precisa ser feita em língua de sinais para a criança surda.

Como deve ser o processo de alfabetização dos alunos surdos?
Maria Cristina Depende da concepção de alfabetização do educador e da instituição. Se o educador alfabetiza ouvintes com a cartilha, vai alfabetizar ossurdos com a cartilha também. E eles vão se sair muito bem na decodificação. Mas o resultado não vai ser muito diferente do aprendizado da criança ouvinte: eles não vão entender o que estão lendo e também não vão conseguir escrever. Há grandes chances de todos eles se tornarem analfabetos funcionais. Agora, se a gente acredita que alfabetização e letramento estão juntos, é preciso inserir a criança surda nas práticas letradas. Do mesmo jeito que se faz com as crianças ouvintes. Só que, com as crianças ouvintes o que se busca é relacionar aquilo que está escrito com aquilo que se fala e ouve. Com os surdos é preciso relacionar o escrito com o que se mostra e vê, ou seja, as imagens, os movimentos, as expressões faciais e os sinais. É possível alfabetizar, mas insisto: na sala de aula com alunos ouvintes não é um único professor que vai dar conta. É preciso ter, junto com o professor da turma, um professor especialista que saiba a lingua de sinais.

Ensinar uma língua escrita para quem desconhece a oralidade é um desafio para todos os professores com alunos surdos em suas turmas. As principais dificuldades não decorrem da surdez em si, mas da falta de conhecimento da Língua Portuguesa falada. Hoje, boa parte desses estudantes comunica-se com a Língua Brasileira de Sinais (Libras), uma língua visual-espacial, que possui estrutura própria.
Para ajudá-lo a incluir os estudantes com deficiência auditiva, organizamos uma síntese das principais expectativas de aprendizagem para esses alunos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, quando matriculados em turmas regulares, com base nas principais orientações curriculares para o ensino de Língua Portuguesa para pessoas surdas, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
É importante lembrar que, mesmo que não alcancem os mesmos resultados obtidos pelos alunos ouvintes, os estudantes com deficiência auditiva precisam participar de todas as aulas. Se o aluno surdo ainda não for capaz de escrever um texto, faça com que ele contribua para as atividades escrevendo listas ou frases sobre o tema abordado. Produções coletivas ou em pequenos grupos também ajudam o aluno a se expressar melhor pela escrita. O importante é que ele sempre conte com o apoio visual da escrita. O professor deve registrar todas as atividades e utilizar recursos diferenciados - como letras móveis ou cores diferentes para designar elementos distintos de uma frase, por exemplo. Fazer com que o aluno surdo sente-se nas carteiras da frente é outra medida essencial, assim como  atuar em conjunto com o Atendimento Educacional Especializado (AEE).